O Acordo Ortográfico, 1990-2010

«Na ordem de prioridades da comunidade lusófona deveriam estar em primeiro lugar Timor-Leste e a Galiza»

Ângelo Cristóvão (*) - Duas resoluções adotadas nos últimos dias em Portugal assinalam a culminação do processo de integração institucional do Acordo Ortográfico, que demorou 20 anos a ser completado. Uma é decisão governamental de aplicação das novas regras da escrita no sistema educativo a partir de 1 de janeiro de 2012. A segunda, a votação da Assembleia da República, em 15 de dezembro de 2010, aprovando por unanimidade a proposta do seu presidente, Jaime Gama, para usar o Acordo Ortográfico no Parlamento a partir da mesma data. Isto implica que todas as publicações oficiais e textos escolares irão reger-se pelos mesmos critérios, na República Portuguesa. E acarreta também a criação de novos instrumentos de apoio, como prontuários e dicionários.

Assinado em 12 outubro de 1990 pela Academia das Ciências de Lisboa, Academia Brasileira de Letras e delegações de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, com a adesão da Delegação de Observadores da Galiza, entrará plenamente em vigor depois de importantes órgãos da comunicação social, como os do Grupo Impresa, terem levado à prática progressivamente as novas regras, e de as mais importantes editoras terem publicado dicionários e vocabulários ortográficos conforme ao Acordo, como os da Texto Editora, Priberam informática - com o seu recente FLiP-8 - e a Porto Editora, empresa que acaba de lançar ao mercado a nova edição do Grande Dicionário da Língua Portuguesa.

Estamos observando, portanto, os últimos passos de um processo de decisão política cujas parálises e hesitações chegaram a pôr em questão a capacidade da comunidade lusófona de reunir vontades na questão da língua. No caminho, o texto foi alvo de dificuldades de diversa ordem.

As primeiras estiveram situadas no plano legal. A CPLP aprovou até dous protocolos modificativos do Acordo de 1990. O primeiro, na Praia, em 1998. O segundo, em São Tomé, em 2004, permitindo a adesão de Timor Leste, e a entrada em vigor logo que o terceiro país depositasse os instrumentos de ratificação do Acordo ante o governo de Lisboa. Destarte, em teoria, está em vigor em todos os países assinantes desde o 13 de maio de 2009. Mas governo e parlamento portugueses estabeleceram em março de 2008 um período de transição entre as velhas e as novas regras da escrita, até 2014.

O segundo tipo de dificuldades veio dos movimentos contra o Acordo Ortográfico, nomeadamente em Portugal, chefiados por alguns líderes políticos e mediáticos que, com ampla repercussão na comunicação social, se fizeram ouvir, reunindo até 100.000 assinaturas, o que só conseguiu demorar o processo por breve espaço de tempo.

Uma terceira ordem de questões referiu-se à coordenação no seio da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), onde uma diversidade de circunstâncias políticas e económicas dificultaram o consenso necessário para que a defesa da língua e da sua unidade fizessem parte central das suas políticas. Felizmente, nos últimos anos algumas dúvidas foram sendo esclarecidas, especialmente nos países africanos. A recente tomada de posse na presidência do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), pelo professor brasileiro Gilvan Muller de Oliveira, pode abrir uma nova etapa nessa instituição.

No entanto, restam ainda outros âmbitos de atuação de não menor relevância, como o referido à construção de instrumentos que permitam fomentar e tornar patente a unidade do português, onde até agora eram reconhecidas duas normas para a escrita. A prevista elaboração do Vocabulário Ortográfico Comum será uma primeira prova de capacidade, tanto se for referida aos âmbitos científico e técnico, como entendida na abrangência da língua comum, pois ambas as leituras foram realizadas do texto do Acordo. Para este projeto o presidente da Academia Galega da Língua Portuguesa, Professor José-Martinho Montero Santalha, já apresentou o contributo galego em sessão conjunta com a Academia Brasileira de Letras e a Academia das Ciências de Lisboa, na capital portuguesa, a 7 de abril de 2009.

Outro foco de atenção é o referido aos espaços em que o português se acha numa situação mais fraca. Na ordem de prioridades deveriam estar em primeiro lugar Timor-Leste e a Galiza. Deixando à margem os percursos históricos e os condicionamentos políticos por que se distinguem ambos os territórios, uma cabal compreensão da questão deveria levar a uma maior atenção e a uma posição mais ativa.

(*) Secretário da Academia Galega da Língua Portuguesa.

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