"Cantares Galegos" no Centro Social Gomes Gaioso da Corunha

António Gil Hernández e Xavier Vásquez Freire
apresentarão a edição em AO da obra de Rosalia de Castro

PGL - A 19 de novembro, sexta-feira, às 20 horas, o Centro Social Gomes Gaioso da Corunha acolhe a apresentaçom dos Cantares Galegos, primeira ediçom desta magnífica obra de Rosalia de Castro seguindo as normas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

António Gil Hernández e Xavier Vásquez Freire serám os encarregados de apresentar este trabalho, promovido pola Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP), editado por Edições da Galiza e disponível para compra na loja Imperdível, entre outros locais.

Em entrevista publicada polo PGL a 13 de outubro, o professor Higino Martins, coordenador desta ediçom dos Cantares Galegos, explicava, acerca das dificuldades do trabalho, que estas nom foram «maiores que as do estudo da história da língua», porque «os falares galegos som os restos maravilhosos da língua comum, têm a vantagem de ser um tesouro que venceu o túnel do tempo. A fantasia de viajar no tempo nas nossas mãos». Destarte, o processo foi «similar ao do norueguês, do checo ou do hebreu. Certo que ainda sem os recursos do estado, pelo que cumpre opor a resistência heroica, que muitas vezes compromete o pam».

Poeta musical

Para o professor Martins, a competência musical de Rosalia ainda é «pouco conhecida», e há dados biográficos que a mostram como «virtuosa em vários instrumentos», o qual influi também na medida e nos ritmos acentuais da sua obra.

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Higino Martins: «A esperança, ao editar Rosalia, baseia-se na convicção de que tem poder para mudar a consciência nacional galega»

Entrevista ao professor Higino Martins,
coordenador da edição em AO de Cantares Galegos

PGL - O professor Higino Martins realiza mais uma achega à literatura galega e à nossa história. A edição segundo o Acordo Ortográfico de 1990 dos Cantares Galegos, de Rosalia de Castro constitui uma das publicações mais destacadas da Galiza neste 2010, sobretudo a nível internacional.

O Portal Galego da Língua contactou-o para conhecer o que oferece o interior deste clássico readaptado, e as considerações de uma das cabeças que engendrou tão importante e complicado encargo, que agora vê a luz graças a Edições da Galiza (em colaboração com a AGLP) que se pode comprar na loja Imperdível.

PGL: Como foi recebida esta nova edição de Cantares Galegos?

Higino Martins: Morando em Buenos Aires, onde não há distribuição, não estou em condições de o valorizar. Através da Rede e dos correios, os ecos parecem positivos. Ao cabo, em mim o maior peso tem-no a convicção da potência da obra de Rosalia.

PGL: Qual o objetivo desta nova edição do clássico de Rosalia?

A esperança, ao editar Rosalia, baseia-se na convicção de que tem poder para mudar a consciência nacional galega. É a única figura de talhe universal da literatura galega moderna, de um nível difícil de abranger antes de sumir-se nela, talvez pelo mito enervante que a rodeia, amiúde manipulado pelos renuentes da identidade.

PGL: Desde onde se está mostrando mais interesse nesta edição dos Cantares Galegos?

HM: Distinguiria dous campos, os dous com diversos graus de dificuldade na promoção. No internacional, nomeadamente os países de língua portuguesa, a termos históricos os frutos vão ser fulminantes. O valor simbólico da Galiza para eles é fulcral, prioritário. Solucionar a questão galega e fundacional para o seu futuro. Aí só há questões técnicas de distribuição editorial e a necessidade da nossa mínima perseverância.

O campo galego tem problemática similar, mas dificuldades maiores. A distribuição tem em contra enormes obstáculos, os recursos do estado espanhol, contra os quais só quadra opor uma resistência heroica. Parece tarefa de Sísifo, mas podemos ter confiança. Há forças não muito visíveis a colaborar. A semente sempre é pequena e na terra invisível; ao cabo chega a produzir grandes árvores.

PGL: Quanto tempo levou a adaptação?

HM: Difícil responder brevemente. A computar o precedente da edição da Caixa Ourense de 1986, seriam trinta anos. Ora bem, as mudanças da atual são a sequela do Acordo de ’90. Logo quadra dizer que se precipitaram, fulminantes, desde o momento em que a AGLP decidiu editar os clássicos começando por Cantares. Foram meses, o tempo de enviar os textos quase ao voo do teclado, cruzar opiniões e polir as provas.

PGL: Que pautas seguiu para as atualizações ou modificações da escrita Rosalia aos tempos de hoje?

Começaram sendo ortográficas e continuaram pela peneira léxica. O patamar de 1986 ficava aí, com critérios semelhantes ao da proposta da AGAL na altura. Mas nos últimos anos notei que a minha proposta reintegracionista do ano ’77, ao iniciar em Buenos Aires os cursos de galego, lúcida e aqui eficaz, globalmente não atingia resultados suficientes. Na Terra não chegava perante a magnitude de meios do estado. O recuar do número de falantes a meu ver robora a premente necessidade de reforçar duas notas: o orgulho profundo da identidade e, a par, o nível científico da língua a usar.

É preciso que o instrumento a opor à língua imperial seja de parelha dimensão. No caso do galego-português, como no do catalão, a única via de salvação é romper o feitiço do nome da língua. Do nome da língua e da prática culta correspondente. Os obstáculos internos na alma dos galegos pode rastejar-se mesmo em Pondal, tão orgulhoso em aparência e tão dubitativo na correspondência.

Sei que a pergunta quer resposta concreta. Ponho o modelo de coexistência de alemão e bávaro. Reservo os rasgos dialetais para textos de tom local ou folclórico. Mesmo aí tento atenuar a imagem gráfica diferente, com regras ad hoc: comĩ em vez de comim. Tal qual faz o português reivindico nesses casos ũa.

No caso presente, procurou-se brindar o clássico galego ao conjunto do grande domínio linguístico. Logo as regras são as da língua geral, para centos de milhões. Aí mesmo reivindico todos os rasgos dialetais recebidos pela norma portuguesa (douscousa, etc.), que são testemunhos longes da espera de que fomos objeto sem cairmos na conta.

PGL: Que dificuldades técnicas apresenta adaptar um texto galego clássico a uma norma em construção como é a do português da Galiza?

HM: Não maiores que as do estudo da história da língua. Os falares galegos são os restos maravilhosos da língua comum, têm a vantagem de ser um tesouro que venceu o túnel do tempo. A fantasia de viajar no tempo nas nossas mãos.

Nessas circunstâncias, o processo é similar ao do norueguês, do checo ou do hebreu. Certo que ainda sem os recursos do estado, pelo que cumpre opor a resistência heroica, que muitas vezes compromete o pão.

PGL: Como se consegue esse equilíbrio entre respeito pela tradição mais ao texto e a modernidade?

HM: O equilíbrio é resultado natural da busca. Com paciência sempre aparece a solução. Aliás, a língua popular costuma ser mais constante do que a cultivada nos níveis cultos, sempre mais flutuante. Plauto, arcaico, é mais próximo do vulgar que os escritores da idade de prata.

PGL: Sendo poesia, quais os problemas de respeitar os ritmos, fonotática, prosódia do texto e a habilidade rosaliana para a pauta musical da poesia?

HG:  Deve respeitar-se a obra, a autora e a par ter a máxima fidelidade ao génio da língua. Não tanto nos Cantares, vindos da lírica popular, quanto em Folhas Novas, mais dependente da poesia escrita espanhola, às vezes em Rosalia há sinalefas do castelhano. Cumpre focá-lo com cautela.

A medida e os ritmos acentuais são invioláveis. A competência musical de Rosalia –a meu ver ainda pouco conhecida– é pasmosa. Isabel Rei revelou-me dados biográficos que a mostram como virtuosa em vários instrumentos. É no campo léxico onde ousei embrenhar-me. Às vezes foi preciso traduzir, já em 1986. Eis sabrosas siriguelas mudadas em soborosas ameixas do poema 5, verso 172. Enfim, dar resposta cabal seria repetir grande parte das notas da edição.

PGL: Que procedimento seguiu para o tratamento da etnografia, o folclore e especialmente a toponímia, nas notas de rodapé?

HM: As de rodapé procuram ajudar uma leitura fluida e inteligível dos leitores de língua oficial portuguesa, se breves. As finais são mais desenvolvidas. Mas não fui consequente. Há notas de rodapé algo extensas, quase sempre da autoria de Ângelo Brea. Suponho que algo inconscientemente deixei para as finais a métrica, as considerações sobre o fundo psicológico ou social, e quase todas as notas etimológicas ou etnográficas de cariz novidoso.

PGL: Contou com muitas colaborações desinteressadas neste trabalho? Que motivações moviam estas pessoas?

HM: Com Ernesto Vasques Souza compartilhamos as linhas gerais da edição. Devo destacar o contributo de Ângelo Brea, que preparara uma edição do livro e que a brindou generosamente; dela tirei ideias agudas e apontamentos de história, geografia e etnografia, geralmente incluídos nas notas de rodapé. E lembro as mensagens, muitas, cruzadas com Carlos Durão, Fernando Vasques Corredoira e Crisanto Veiguela Martins, que assumiram as revisões dos textos. Sem eles a edição não teria saído.

Falar em motivações é psicologia facílima neste caso. Carlos também anda longe e a saudade explica muito. Quanto aos outros... antes falei na necessária resistência heroica dos que moram no estado. Só como bons e generosos se compreende comprometerem às vezes o pão, num meio misteriosamente rígido, permeado de ares de mudança, mas ainda cheio de pétreas durezas seculares.

PGL: Como viu a colaboração por Internet com corretores na Galiza, Londres, um editor técnico em Valhadolid e um editor-impressor em Barcelona?

HM: Facílima. Pela idade ainda estou pasmo pela súbita abertura do horizonte que produziu a informática. Que parte tem estar eu na diáspora mais distante? Pois diria que serviu a libertar-me de ligaduras que me travariam estando no vórtice. A distância abriu a consciência da identidade a cada um dos galegos que a cobraram. A mim deu-me uma torre de marfim donde enxergar o passado.

PGL: Cantares Galegos e o Sempre em Galiza são dous livros basilares na identidade e a literatura do país. Agora ambos estão na ortografia comum e disponíveis para todo o nosso universo linguístico. É de esperar que se continue este processo de adaptação de clássicos?

É de aguardar. Creio que acontecerá. Não acontecer seria perder o destino. Não só cabe ter esperança; pressente-se o processo como inadiável, e também como grato, como uma tarefa aprazível que convoca. O dos clássicos, ou “clássicos”, tem algo. Esta será a prova do seu valor. Rosalia é génio universal e aspiro a ver edições dignas de Folhas Novas e, apesar de tradução, também de Nas Ribas do Sar. Salva-se muito de Curros. E pouco de Pondal, confesso, inda que me enforquem e apesar de compartilhar o pendor para os celtas.

Chega tarde o labor? Boa pergunta. Nunca é tarde se o corpo ainda alenta. Na história os tempos são diversos dos humanos individuais. Na mocidade sempre imaginamos chegar a ver os frutos procurados. Mas a história acelera. As prioridades? Tudo é prioritário. Aqui e sempre o paradoxo é guia. O corpo vive se todas as funções trabalham a par. Mas não há lugar para desesperos; lembremos a semente. Desesperar não, trabalhar como se todo dependesse só de nós. O que não façamos nós ninguém no-lo fará.

PGL: Que questões de respeito se suscitam ao intervir numa obra tão simbólica como a de Rosalia?

HM: Escrúpulos muitos, mas o decoro académico já não é meu cuidado. Aqui –e suponho que aí também– há muita burocracia e olhar de esguelha, pouca segurança nas opiniões sinceras. Pus por juiz à mesma Rosalia. Creio sinceramente que ela subscreveria os critérios assumidos, que são os que explicitou.

PGL: Por que uma pola de tojo como portada?

HM: Não sei, não a desenhei. Suponho que é emblema da Terra, a simbolizar algo a par útil, rude, pungente, de formosura perdurável. Como todo símbolo é inefável, ao invés do signo que é discreto. Provavelmente é um símbolo verdadeiro, objeto cheio de conteúdos profundos, difíceis de definir.

Fonte original:

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Cantares Galegos de Rosalia de Castro

Rosália de Castro: Cantares Galegos

Artigo publicado em "O Patifúndio", revista cultural da lusofonia

José Luís do Pico Orjais (*) - Do ponto de vista de um galego existem duas formas diferentes de ser lusófono. Uma, que poderíamos chamar natural, dá-se pelo simples feito de utilizar a nossa língua. Mesmo falando um galego ruim, tens de ser considerado membro da comunidade, ainda que tão só seja como aberração. A segunda das maneiras seria a de pertenceres em consciência, é dizer, tendo reflexionado sobre o problema do idioma do que fazemos parte.

Os galegos conscientes, a diferença dos naturais, precissamos duma educação continuada de desalfabetização e posterior realfabetização, alem duma permanente proteção antivírus para não ser novamente acastrapados (alienados). Mas a consciência não se fez, coma no caso do Príncipe dos Apóstolos, subitamente após uma revelação, senão que tudo é um processo onde o feedback entre os lusófilos do entorno resulta fundamental.

No meu caso há três livros verdadeiramente basilares dos que não lembro nem quem os recomendou nem como chegaram a mim (prometo não te-los roubado), mas que são fulcrais sobre o idioma arrumei que construi no meu cérebro. São os seus títulos, Ensaios e poesias (1974) de João Vicente Biqueira, Da Fala e da Escrita (1983) de Ricardo Carvalho Calero e Estudos Galegos Portugueses (1979) de Rodrígues Lapa. Esta trindade bibliográfica, conta de três formas diferentes uma única realidade verdadeira: O galego faz parte da lusofonia.

Trata-se de coletâneas de textos dispersos publicados mormente em prensa escrita em diferentes épocas da vida dos autores. Poderia-se traçar numa tábua comparativa as ideias expostas por cada um destes três volumes, e veríamos as importantes coincidências, nada assombrosas quando são fruto da lógica mais esmagadora. Alguma dessas ideias seguem a ser atualíssimas e deveriam estar, nos dias de hoje, presentes no debate sobre o estado da língua galega.

Ainda que soe a obviedade, os autores assinalam a diferência entre a língua literária e a falada, ou o que é o mesmo, a ingenuidade de pensar que a língua literária poda ser mera transplantação do idioma falado. RODRÍGUES LAPA, Manuel (1979) p.74

“Insisto muito na ortografia porque terá, unida à purificação da língua, uma virtude mágica: fará da nossa fala camponesa, isolada e pobre, uma língua universal, de valor internacional e instrumento da cultura, além disso, capacitará a todos os galegos para lerem o português, o qual, diga-se o que se quiser, hoje não podem fazer.” VIQUEIRA LÓPEZ, Xohán Vicente (1974)

“[...]porque esse problema da língua escrita e da língua falada, [...], tem hoje flagrante atualidade, e não se refere apenas ao Brasil mas ainda à Galiza, que se vai defrontar com ele, quando aceder à autonomia. Com efeito, aquilo que atrás dissemos sobre o caso brasileiro, poderíamos repeti-lo quase nos mesmos termos a respeito do galego: fala galega, mas língua literária portuguesa da Galiza sob o nome de portugalego, isto é, com as peculiaridades próprias de cada uma, sem prejuízo da unidade fundamental.” RODRÍGUES LAPA, Manuel (1979) p. 127

“Um prejuízo sentimental do mesmo tipo pode registar-se na postura daquelas pessoas que em matéria idiomática falam com devoção supersticiosa do galego popular, entendendo por tal o que empregam hoje os indivíduos que o usam por tradição espontânea, e não receberam instrução escolar sobre a matéria. Para estes ingénuos opinantes, o galego popular, o galego espontâneamente falado, é o galego real e ideal, o verdadeiro galego, o galego sagrado; e herético e sacrílego todo galego que não aceite com bágoas [lágrimas] patrióticas e democráticas nos olhos usos do falar do povo. Uma idolização do popular, como no outro caso uma idolização do infantil.

Mas a imperfeição que há de encaminhar-se à perfeição não pode erigir-se em estado ideal sem renunciar a este progresso. O repertório de dados infantis não pode constituir o ideal do conhecimento humano. A fala atual do homem galego que não recebeu informação sobre o galego não pode constituir o ideal do idioma. Pretender, por sentimental afeição imobilista, que uma criança não deve desenvolver-se para chegar a adulto, que um idioma silvestre não pode aspirar a converter-se num idioma culto, é um erro semelhante ao que renuncia a curar uma doença porque conheceu sempre doente ao que a sofre, e lhe semelharia inautêntico o enfermo curado.” CARVALHO CALERO, Ricardo (1983) p. 123

No caso dos novos escritores o tema está resolvido. Cada quem deve saber escolher bando: a Galiza isolada das normas do I.L.G.A. ou a Galiza que reclama o lugar que lhe pertence por direito na lusofonia.

Mas o problema reside naqueles escritores que criaram as suas obras utilizando um galego intuitivo, com «uma forte vassalagem gráfica da língua oficial.» CARVALHO CALERO, Ricardo (1983) p. 65 Este galego literário prè-normativo foi inventado por autores que desconheciam o passado medieval galego-português, a tradição literária portuguesa e que partindo da nada codificaram um idioma falado só por classes populares. O paradoxo, do que também falara Carvalho Calero, é que a língua literária galega nascia quando a língua falada começava a esmorecer.

Os Estudos Galego-Portugueses de Rodrigues Lapa são um magnífico manual do bom adaptador do texto dialetal galego ao português padrão. Capítulos como os titulados “A Recuperação literária do galego”, “Ainda a recuperação literária do galego”, “António Sérgio e o problema da língua literária” servem para por no seu justo lugar a questão e dar possíveis soluções.

Mas a coisa está a mudar. Edições da Galiza acaba de editar o primeiro volume da coleção Clássicos da Galiza. O texto escolhido para o primeiro número não podia ser outro que Cantares Galegos de Rosalia de Castro.

O patrocínio intelectual desta publicação corre a cargo da Academia Galega da Língua Portuguesa (A.C.L.P.) cujo presidente diz no prefácio o que segue:

«Um dos projetos mais queridos da Academia Galega da Língua Portuguesa, na sua tarefa de recolocar a Galiza como membro pleno da Lusofonia, é, já do momento mesmo da sua constituição, a edição de uma coleção de clássicos galegos, apresentados numa versão linguística (nomeadamente nos campos da ortografia e da morfologia) que –sem por isso deixar de ser fiel idiomaticamente aos textos originais- esteja em sintonia com o que é a língua portuguesa atual, de conformidade com o Acordo Ortográfico.» CASTRO, Rosalia de (2010) p. 7

Não é a primeira tentativa de adaptar textos galegos ao português moderno, mas sim é a primeira promovida por uma organização com poder normativo. Efetivamente, a A.G.L.P. pode aplicar as normas comuns do português internacional aos textos galegos e, a um tempo, colocada como está entre as organizações lusófonas ao mais alto nível, promover a integração das caraterísticas próprias do galego no sistema geral. Boa prova disto é a elaboração por parte duma comissão linguística da Academia dum vocabulário com léxico galego que está a fazer parte já dos mais importantes dicionários portugueses.

Com respeito aos Cantares Galegos agora editados, vale dizer que a versão da AGLP correu por conta do Dr Higino Martins Esteves, professor galego-argentino, cujo trabalho é impecável. O feito de ter sido esta a opera prima da coleção deveu acarretar para o professor Martins uma responsabilidade adicional que foi acometida com erudição e criatividade, duas qualidades imprescindíveis quando se trata de adaptar a língua sem que afete ao ritmo e a rima poética.

Heitor Rodal Lopes e Ernesto Vázquez Souza são os coordenadores editoriais e os verdadeiros ideólogos da ética e da estética da coleção. Trata-se duma edição de bolso, muito económica, o que lhe confere uma vocação de divulgação tanto da obra e da figura histórica de Rosalia de Castro, como do discurso lusófono da AGLP em favor do Acordo Ortográfico.

Por último não posso menos que parabenizar aos responsáveis desta edição dos Cantares Galegos e à própria academia pelo seu esforço e por dar-nos um texto exemplar que nos vai servir aos que escrevemos em português da Galiza como modelo a seguir.

Como colofão achego-vos as últimas linhas do livro de Rodrigues Lapa que, escritas há cerca de quarenta anos, tém um certo aroma a testamento ideológico:

«O português literário, sem garantia de propriedade, é privilégio de três países, Galiza, Portugal e Brasil, a que se juntaram agora mais cinco nações africanas emancipadas. Produto refinado de cultura que tem servido tantas civilizações, não o estraguem, por favor. Falado hoje por 150 milhões de indivíduos, no ano de 2000 por 200 milhões, ele está destinado, por obra dos homens e do universalismo de que é portador, a ser uma das expressões mais válidas do mundo que se avizinha. Pensem bem: não podemos perder esse tesouro.» RODRÍGUES LAPA, Manuel (1979) p. 129

Pobre Galiza, não deves
chamar-te nunca espanhola,
que Espanha de ti se olvida
quando és tu, ai!, tão formosa.
Qual se na infâmia nasceras,
torpe, de ti se envergonha,
e a mãe que um filho despreza
mãe sem coração se mostra.
Ninguém por que te levantes
che alarga a mão bondadosa;
ninguém teus prantos enxuga,
e humilde choras e choras.
Galiz, tu não tens pátria,
tu vives no mundo soia,
e a prole fecunda tua
se espalha em errantes hordas,
mentres triste e solitária
tendida na verde alfombra
ao mar esperanças pedes,
de Deus a esperança imploras.
Por isso em-que em som de festa
alegre a gaitinha se ouça,
   eu posso dizer-che:
   não canta, que chora.

Cantares Galegos
Rosalia de Castro

Pode-se adquirir os Cantares Galegos nos seguintes enlaces:

[1] CASTRO, Rosalia de (2010) Cantares galegos [Edições da Galiza; Barcelona] Primeira edição de 1863.

[1] VIQUEIRA LÓPEZ, Xohán Vicente (1974) Ensaios e poesías [Galaxia;Vigo]

[1] CARVALHO CALERO, Ricardo (1983) Da Fala e da Escrita [Galiza Editora; Ourense]

[1] RODRÍGUES LAPA,  Manuel (1979)  Estudos galego-portugueses [Sá da Costa; Lisboa]

[1] A cita de Viqueira está tirada da exemplar edição da sua obra completa feita por António Gil Hernández. BIQUEIRA, João Vicente Obra selecta [Associação de Amizade Galiza-Portugal; Corunha] p. 68

Fonte original:

(*) José Luís: é galego nascido em Ogrobe (1969) embora se considere natural da Ilha de Arouça, na Galiza. Atualmente ministra aulas de música no CEP Brea Segade de Taragonha (Rianjo).

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