Novas da Galiza entrevista protagonistas galegos do Acordo Ortográfico luso-brasileiro

Alexandre Banhos e Ângelo Cristóvão na Assembleia da República

Alexandre Banhos e Ângelo Cristóvão em destaque

Eduardo Maragoto - Anos depois do falecimento de Lindley Cintra, Celso Cunha ou Rodrigues Lapa, grandes filólogos portugueses amigos da Galiza, o reintegracionismo voltou a pôr a Galiza no centro do debate sobre o futuro da língua comum. Foi numha sessom parlamentar sobre o Acordo que aproxima as ortografias brasileira e portuguesa (também usada nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa – PALOP – e Timor) realizada no máximo órgao da soberania popular de Portugal, a Assembleia da República.

Apesar dos medos deste último país, o Acordo será provavelmente assumido em toda a Lusofonia nos próximos anos. A Junta, como se o galego gozasse de óptima saúde, nada quijo saber. O reintegracionismo, unido, foi o representante da Galiza em Lisboa, com as vozes de Alexandre Banhos, da Associaçom Galega da Língua (AGAL), e Ângelo Cristóvão Angueira, da Associação Pró-Academia Galega da Língua Portuguesa.

Porque é importante o Acordo (conhecido como ‘de 90’) para a Lusofonia?

A. B. : A nossa língua, o português, que assim é conhecida internacionalmente, é a única entre as internacionais que nom tem umha normativa universalmente aceite em todos os Estados onde é oficial. No século XVIII criou-se a Academia das Ciências de Lisboa, mas nunca chegou a elaborar umha norma nem um vocabulário ortográfico. A responsabilidade caiu assim nos governos, nos políticos; em 1911 som fixadas as primeiras normas polo governo português, mas o Brasil nom aceita. Actualmente há duas normas (deixando de parte o caso do galego): a brasileira (do grupo Globo) e a portuguesa (usada também nas ex-colónias). Houvo antes várias tentativas de acordo. O Acordo de 1990 é menos radical que o de 1986, tendo sido importante o contributo de umha delegaçom galega de observadores. Implica aceitar a importáncia que tem o Brasil para a língua (com 190 milhons de falantes entre 250), e iniciar umha dinámica interna na língua que a afaste das decisons políticas. No futuro, estas questons deviam ser competência do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP).

E porque é importante para umha Galiza que nom pode acompanhá-lo institucionalmente?

A. B. : Estarmos aí é afirmarmos a nossa pertença ao mundo da nossa língua. Foi um facto extraordinário a presença de representantes galegos – da Galiza civil e nacional, nom da regional e oficial.

A. C. : Em Lisboa apresentamos a posiçom institucional da Associação Pró-Academia Galega da Língua Portuguesa e a das Entidades Lusófonas Galegas. Tendo em conta a ausência de participaçom do governo galego, representamos a posiçom da Galiza. Além disto, a recepçom na CPLP e na Academia das Ciências de Lisboa evidencia uma predisposiçom de Portugal e do conjunto dos países lusófonos para a integraçom do nosso país nesse espaço, do ponto de vista cultural. Do ponto de vista político, parece que o Governo Galego deu algum passo nesta linha. A Academia Galega da Língua Portuguesa, que será constituída nos próximos meses, iniciará o relacionamento e colaboraçom institucional com as outras academias lusófonas. Estamos certos que os próximos anos servirám para um maior reconhecimento e presença do português galego na cena internacional.

A que se devem as reticências portuguesas?

A. B. : Os modelo português e brasileiro tenhem algumhas características dissemelhantes na expressom oral, e o Acordo talvez dependa demasiado disso, sendo mais estáveis os sistemas de línguas internacionais onde a escrita nom depende tanto da pronúncia (um inglês fonológico duraria pouco como língua internacional). Os portugueses som cientes que o Acordo é uma cessom maior pola sua parte que por Brasil, e eles sentem a língua de modo mui particular.

A. C. : Deve-se à incapacidade de alguns lingüistas notáveis, de alguns editores e de sectores da sociedade em se adaptarem à realidade presente. O português do século XXI é umha língua policêntrica. A questom que se pom em Portugal, e também na Galiza, é continuar à margem da unidade da escrita, ou aderir ao conjunto. Isto nom modifica pronúncias nem impede refletir as caraterísticas de cada umha das variedades regionais e nacionais.

O reintegracionismo foi unido a Lisboa...

A. C. : A AGAL permaneceu à margem dos Acordos Ortográficos em 1986 e 1990. A sua incorporaçom ao processo de unidade, em 7 de Abril, fecha umha etapa de divergências. As associaçons lusófonas continuaremos unidas, porque as tarefas e os reptos que venhem a seguir exigem colaboraçom. Contodo, isto nom acarreta que todos devamos dedicar-nos às mesmas atividades.

A. B. : O reintegracionismo goza de umha unidade difícil de encontrar noutros movimentos da Galiza, mesmo entre as posturas mais divergentes. Além disso, é muito fácil mantermos a mesma postura numha questom que já tinha sido bem defendida por umha delegaçom galega no próprio Acordo. Quando à AGAL lhe foi comunicado informalmente o convite, convidamos todas as entidades reintegracionistas para que a nossa voz fosse a de todos.

Para além das vossas intervençons, a vossa presença em Lisboa suscitou o interesse das outras delegaçons lusófonas?

A. C. : Sim, especiamente de Portugal e do Brasil, de onde recebemos convites para a participaçom em futuras actividades. Espero que os lingüistas saibam entender o sentido desta participaçom galega, desta conjunçom de vontades, e assumam a sua responsabilidade histórica.

Fonte original:

 

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Transcrição da intervenção de Ângelo Cristóvão na Assembleia da República

Ângelo Cristóvão na Assembleia da República

Ângelo Cristóvão, representante da Associação Pró Academia,
na Conferência Internacional/Audição Parlamentar sobre o AO

Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia da República, Ex.mos Sres. Adriano Moreira, Presidente da Academia das Ciências de Lisboa, e Evanildo Bechara, representante da Academia Brasileira de Letras; Digníssimo representante do Governo de São Tomé e Príncipe, Digníssima representante da CPLP, Senhoras e Senhores deputados, prezados intervenientes nesta conferência sobre o Acordo Ortográfico,

Permitam-me em primeiro lugar agradecer, em nome da Associação Pró Academia Galega da Língua Portuguesa, o convite para esta Conferência Internacional, manifestar o meu respeito por todas as opiniões aqui apresentadas, e saudar a intervenção do meu compatriota Alexandre Banhos, que explica a posição institucional das Entidades Lusófonas Galegas, de que somos co-partícipes.

Na Galiza existe, há décadas, um movimento cívico e cultural de influência crescente conhecido como Reintegracionismo cujos integrantes trabalham, em diversos campos, por integrar as falas da Galiza no Português escrito universal. A produção escrita no português da Galiza aumenta sem pausa desde a década de 70, e está a atingir sucesso nos âmbitos literários, nos estudos da língua histórica ou da sociologia da linguagem, com autores como Martinho Montero, Gil Hernández, Xavier Vilhar ou Concha Rousia, entre outros galegos presentes nesta nobre sala. São contributos que merecem alguma atenção e que, apesar do seu reduzido número, nos permitem comparecer no espaço lusófono com conteúdos próprios.

Um forte sentimento e consciência cívica de pertença à lusofonia está a tornar-se geral no mundo da cultura da Galiza. Neste contexto, os galegos aspiramos a contar também com uma instituição congénere das Academias Portuguesa das Ciências e Brasileira de Letras.

Confiamos em que a Academia Galega da Língua Portuguesa realize a sessão constituinte nos próximos meses na capital da Galiza. Será entidade que assuma a mais longa e genuína tradição galega que representaram vultos como Manuel Murguia e Lugris Freire, Guerra da Cal e Carvalho Calero, Rodrigues Lapa e de Lindley Cintra, que consideravam as falas galegas e as portuguesas setentrionais fazerem parte dum “continuum” nortenho da língua portuguesa, reconhecível por traços caraterizadores face às outras variedades ortoépicas da língua comum.

A nossa Academia, que nasce por iniciativa da sociedade civil com vocação de serviço público, tenta ser uma instituição científica independente dos governos e das suas circunstâncias, que concentre os seus estudos na língua portuguesa da Galiza com critérios de rigor científico e vontade de abertura às diferentes sensibilidades existentes na sociedade. Nesta linha e, atendendo às circunstâncias históricas em que nos desenvolvemos, parece conveniente orientar os esforços dos primeiros anos num sentido mais prospectivo e divulgador do que normativo.

É sabido que as línguas mantêm a sua unidade, principalmente, através de uma ortografia, que permite a realização de diferentes ortofonias. Este é um valor que apreciamos especialmente na Galiza, onde temos o exemplo da língua castelhana, caso em que as decisões em matéria de norma linguística são adotadas conjuntamente por todas as academias da língua, e editadas em textos comuns. Belo exemplo digno de considerarmos. Portanto, a Academia Galega da Língua Portuguesa não deveria ter como objetivo constituir uma terceira norma para a escrita, depois da lusitana e a brasileira. O português galego reflete, em qualquer caso, os nossos traços caraterísticos, nomeadamente no léxico e na pronúncia, a cuja sigularidade deverão habituar-se os lusófonos em geral.

A decisão do governo português, o passado dia 6 de Março, ratificando o segundo protocolo modificativo, dá continuidade a um processo de unidade em que os galegos estivemos presentes já há 50 anos com o professor Guerra da Cal. A adesão da Galiza aos Acordos data de meados da década de 1980, por meio da Comissão Galega do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, cujo Presidente de Honra fora o próprio Guerra da Cal. Foi por intermédio do professor Isaac Estraviz e da ONG galega Irmandades da Fala da Galiza e Portugal que uma delegação observadora foi convidada às sessões de debate do Acordo no Rio de Janeiro em 1986 (da Ortografia Simplificada), e depois em Lisboa, em 1990 (da Ortografia Unificada). O comunicado que, em nome dos Estados lusófonos, anunciava o Acordo de 1990, citava: “... a participação de uma delegação de observadores da Galiza…” ; frase que se repetiu em 1991 na publicação no Diário da República.

O Acordo Ortográfico foi promovido e redigido em função dos parâmetros e condições do português como língua nacional, no sentido que adquiriu na Europa desde a Revolução Francesa.

A Base IV estabelece a «pronúncia culta» como único critério para a supressão ou manutenção da representação gráfica de algumas sequências consonânticas. Este critério é de difícil aplicação nos países em que o português se acha interferido por outra língua, onde não está conformada uma norma culta, como é o caso da Galiza, e em vários países africanos de expressão portuguesa, em que tem a condição de língua co-oficial.

Admitir o critério da pronúncia galega popular como culta seria muito questionável e, dado o emudecimento quase absoluto das consoantes referidas no português popular falado na Galiza, poderia levar-nos à sua supressão generalizada na escrita. Portanto, um segundo critério deve ser considerado.

Idealmente, optaríamos pela manutenção da etimologia. Na prática, entendemos que as soluções lusitanas resultam mais apropriadas, atendendo ao facto de a circulação de produtos culturais em língua portuguesa, na Galiza, estar a realizar-se com edições produzidas na República Portuguesa.

Quando a divulgação das mudanças ortográficas for generalizada na população, o que poderá acontecer em poucos anos, um segundo nível de atuação deveria receber a nossa atenção. Trata-se das divergências na terminologia técnico-científica entre o português do Brasil e o de Portugal, que deveria preocupar-nos a todos e ser objeto de uma política de língua de consenso.

Muito obrigado pela vossa atenção.

Intervenção de Ângelo Cristóvão

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